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É difícil escrever sobre quem se ama, muito menos, quando essa pessoa não está entre nós. O turbilhão de emoções fragiliza o pensamento e as memórias, positivas (são só essas que consigo lembrar) passam como filme sobre a vista, já turva, a uma velocidade estonteante.

Podia escrever sobre tanta coisa oposta, mas só uma me ocupa a mente: hoje é dia de São Tucha. Não gosto do dia do Pai, Mãe, Criança ou tudo o que seja para fins comerciais e não seja publicitado como tal (Natal para lá caminha). Não sou de fervores religiosos, sejam de qual for a índole. Não acredito em Deus, em Maomé ou no Buda. Não condeno quem o faz, desde que não venha fazer propaganda disso.

Acredito, sim, no homem e nas suas capacidades. Mas mais do que isso, acredito no destino. Cada um tem o seu e, infelizmente, não pode lutar contra o que tempo lhe reserva. Conservo a minha fé e devoção a uma religião famosa e a um santo anónimo. Sou devoto, convicto, da causa sportinguista (ultimamente nem com muita reza, a situação se resolve) e de São Tucha. Não vale a pena falarmos do seu nome de baptismo. Além de desinteressante, era desconhecido da maioria, mais do que isso: não agradava ao próprio santo.

Hoje é o seu dia, seja feita a sua vontade. Foi essa vontade e querer que me ensinaram a respeitar os outros, independentemente de cor, estatuto social, raça ou credo. Foi a sua mão (enorme) que suportou, as minhas dúvidas, tristezas e foi ela que celebrou comigo tantas alegrias. São Tucha era assim: um pai, uma mãe, um irmão, um amigo, um grande amigo, o maior de todos.

O meu santo tinha dois hobbies: trabalhar e ajudar os outros. Fins-de-semana e férias sem trabalho eram entediantes. A felicidade suprema só era atingida quando arranjava o carro de um familiar ou consertava alguma coisa em casa de um amigo. Nos Natais era vê-lo de barrete de bom velhinho a distribuir presentes pelos miúdos da Baixa de Maputo. Acreditava pouco nas organizações que ajudam (desinteressadamente) o outro. Preferia ver para crer. Herdei dele a minha premente desconfiança. A minha mãe diz que o mau (bom, na minha modesta opinião) feitio também. O meu irmão concorda, mas acha que é mais um temperamento nervoso complexo (um problema com décadas na família).

Tantas pérolas poderia reviver aqui, como quando me ensinou a andar de bicicleta, a primeira vez que me levou a Alvalade ou das madrugadas de verão em que saía para trabalhar e me sussurrava se queria ir com ele (a resposta era sempre sim, até porque só o meu santo despertava o meu sono pesado). Mas vamos por outro caminho. Este precisaria de uma constelação de livros para ser contado.

O gigante de coração mole e olhar de menino triste passou-me muitas preferências: o Sporting (era só para eu deixar de ser preguiçoso mas revelou-se fatal); Roberto Carlos (ninguém da minha idade ouve, mas pode ser muito útil aos engatatões solteiros); o ódio às saladas (“capim é para cabritos”); a gulodice insaciável (muito haveria para contar neste capitulo sobre doces, mas pode ser que a minha mãe esteja a ler…).

Tucha_BrunoMais do que isso, ensinou tudo aquilo que os meus, curtos, 24 anos sabem. Aprendi na sua escola de vida a batalhar por aquilo que pretendemos e pelos nossos (foi mestre neste quesito), com transparência, sacrifício e honestidade. Não é necessário passar por cima de ninguém, mas não se levam desaforos para casa. Muito menos se admitem faltas de respeito.

A boa educação, a capacidade de sofrimento e a superação são lições que só um professor de categoria, superior, pode passar. São Tucha estava habilitado a tal. A gratidão é um dever de consciência mas também um sentimento de justiça e lealdade, que não lhe posso, jamais, negar. Darei o máximo para estar à altura da missão. O caminho é longo mas o formador é de excelência. Há alguns, bons, anos depois de se referir, carinhosamente, a mim como Pichas (por ser durante muito tempo, infelizmente, o mais novo), Linguiça, Salsicha, Trinca Espinhas ou algo do género (devido à minha notável compleição física), confessou-me: “Tu até na ruindade és igual a mim.” Foi, de longe, o maior elogio que alguém, alguma vez, me dispensou ou irá dispensar.

Todo o jovem quer ser o ídolo. Se eu conseguir ser para os meus, um décimo daquilo que foste para mim, serei um homem realizado. Conto viver mais uns 50 anos. Ter filhos, netos, fazer tanta coisa diferente, infelizmente com a certeza de que nunca mais te vou ver. Nunca mais vou conversar contigo ou fazer-te festas no rosto (fazias cara de mau mas eu sei que gostavas). Tenho uma ténue esperança, de que isso não seja verdade. Confesso: espero ansiosamente pelo dia do reencontro. Alimento o sonho de um abraço apertado, como recebia, ultimamente, por esses aeroportos deste mundo. Naqueles segundos que desfrutávamos  da privacidade, da nossa solidão companheira, a tristeza que humedecia o meu rosto, não transparecia a segurança e a paz que os teus braços, fortes, me transmitiam.

A distância, separava estes abraços. Recentemente foram poucos, mas com o mesmo afecto e carinho de sempre. Quero muito da vida, mas mais que tudo, quero um abraço teu. Não o vou ter, mas vou guardar todos os outros com saudade. Saudade é um sentimento bom, é sinal de que se amou. E não há nada mais honesto e nobre que o amor. Preservem o vosso porque eu já não posso cuidar do meu. Parabéns pai. Um dia feliz, seja lá onde for a festa.

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SONY DSCBruno Gomes

 

 

 

10 thoughts on “Dia de São Tucha

  1. Parabens Mano :
    Parabens Bruno para a tua tia tens sido um exemplo a seguir …
    das nos forca a todos para continuar ! Obrigada mais uma vez obrigada por seres quem es e partilhares connosco …ate quando tentas me tirar do serio e confundir a tola eu sei que no fundo e para me destraires : eu e tds sorrirmos com as tuas palhacadas ,
    …por mais que se tente nada disfarca a dor ….mas e bem mais facil quando nos temos uns aos outros para apoiar e partilhar !!

    E e nestas Alturas que tenho uma enorme vontade de ir p Portugal …para que chorar ….por bobagem p que discutir ….. no fim restam as boas memorias e a vontade de ter sido uma melhor Irma

  2. Não o conheci, mas pelos filhos que criou acredito que tenha sido uma óptima pessoa. Grande abraço para ti, o sérginho e para toda a família.

  3. Texto lindo que me trouxe lágrimas aos olhos. Só vi o teu pai uma vez, por isso não posso dizer que o tenha conhecido, mas faço minhas as palavras do Tojo. Tenho a certeza que, onde quer que ele esteja, o sentimento constante é de orgulho. Parabéns para vocês que o celebram agora. Beijinhos

  4. Parabéns pelo texto está mais uma vez fantástico, e hoje é mesmo dia de São Tuxa e não tenho dúvidas que muita gente hoje se lembrou que era o seu aniversário e se lembram muitas vezes da pessoa que era porque isso acontece muitas vezes comigo. E no fim é isso que fica é que marca a nossa presença por onde passamos, são as memórias que deixamos ás pessoas, seja de momentos que passámos juntos ou atitudes nossas e o teu pai deixou a sua marca e vai sempre acompanhar-nos dessa forma tenho a certeza absoluta. Por isso o dia de hoje vai ser sempre dia de São Tucha para aqueles que o conheceram, com a tristeza de ele ter partido mas também com muita alegria de todos os momentos, experiências e ensinamentos como lhes chamas que ele mostrou.

    Grande abraço para ti e para a familia e mais uma vez parabéns pelo texto.

    Ps: És muito parecido com o teu pai em tantas coisas mas a conduzir pelo amor de deus não podias ter saído mais diferente mas ele também topou logo que o Serginho é que ia ser o camionista.

    • aahahah Marcos muito bom …eu ja partilhei dumas aventuras abordo do jipe com o Bruno ….e simplesmente o capoeiro das galinhas foi atinjido lololol os gansos ficaram muito ofendidos mas resolvemos logo qu’e p o patrao Sergio nao se aperceber ahhahaahaha

  5. Muitos parabéns pelo artigo, de uma excelência. A facilidade com que me emocionei esta adjacente ao conhecimento/carinho que tenho pela vossa família.
    O Sr. Tuxa vinha quase todos os dias jantar ao restaurante dos meus pais, sempre bem disposto e “lambão”, muitas das vezes acompanhado do teu irmão!
    Um grande abraço

  6. Conheci pouco o teu pai, mas pelo pouco que conheci revelou-se uma pessoa unica com um caracter muito proprio e acima de tudo muito respeitador…..um grande abraço bruno, espero que esteja tudo bem ctgo e com o serginho…..espero um dia reencontrar-vos se a vida o proporcionar….abraço

  7. Parabéns meu sobrinho por este lindo texto, e parabéns ao meu primo,cuhado,compadre e afilhado e acima de tudo meu grande amigo. saudades…..

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